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As demissões sem justa causa em tempo de pandemia

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As demissões sem justa causa em tempo de pandemia
(Foto: Ednilson Aguiar / arquivo / O Livre )

Carla Reita Faria Leal

Evandro Monezi Benevides

 

Uma questão que vem sendo muito debatida nos tribunais trabalhistas brasileiros é se a demissão sem justa causa, durante a pandemia da COVID-19, pode ser considerada arbitrária. No início do mês de agosto deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) enfrentou o tema[1] em um processo ajuizado por um bancário do Rio de Janeiro que pediu a sua reintegração imediata após ser demitido sem justa causa, alegando que o banco havia descumprido um compromisso assumido em manter os empregos durante a pandemia, além de suscitar questões sociais, o que, para ele, tornaria a dispensa arbitrária, portanto, inválida.

Entretanto, o Órgão Especial do TST, por unanimidade, rejeitou o recurso por entender não existir previsão legal que subsidiasse o pedido do trabalhador, entendendo prevalecer o direito do empregador em dispensar seus funcionários durante a pandemia, muito embora tal medida traga graves prejuízos ao trabalhador no âmbito social e econômico, assim como à sociedade.

É sabido, porém, que existem exceções à regra que autoriza a demissão sem justa causa do empregado. São os casos das garantias temporárias de emprego decorrentes de previsão legal ou constitucional, a exemplo do dirigente sindical, da empregada gestante, do empregado eleito membro da CIPA, do empregado que sofreu acidente de trabalho, além de casos previstos em meio de acordo ou de convenção coletiva de trabalho, entre outros.

No contexto da pandemia, há também a Lei n.º 14.020/2020, que definiu as situações excepcionais de estabilidade no emprego durante a pandemia, como os casos dos empregados que receberam o benefício emergencial de preservação do emprego e da renda e daqueles empregados com deficiência, temas já tratados neste espaço anteriormente. Nesses casos, há a restrição do poder diretivo do empregador, podendo demitir tão somente por justa causa.

Outra situação relevante, que envolve dispensas durante a pandemia, é o caso das demissões em massa. Diversas decisões judiciais de primeiro e segundo graus têm entendido que essas dispensas devem ser precedidas de negociações coletivas com o sindicato dos trabalhadores, por meio das quais devem ser discutidos meios alternativos às demissões ou mesmo ajustados mecanismos compensatórios para minimizar as graves consequências que delas resultam, atingindo, por vezes, toda a comunidade onde a empresa encontra-se situada.

Concordamos com tal posição, ainda mais no momento pandêmico que vivemos, entendendo que ela possui fundamento em diversos dispositivos constitucionais, dentre eles aqueles que asseguram a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho ao lado da livre iniciativa e a função social da propriedade.

Entretanto, o tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal, que analisa um Recurso Extraordinário com repercussão geral, em um caso de 2009, quando a Embraer dispensou 4.000 trabalhadores. A análise, iniciada em maio, está suspensa por um pedido de vista do Ministro Toffoli. Por ora o placar da votação está em 3 votos pela desnecessidade da negociação coletiva e 2 votos por sua necessidade.

Importante lembrar que, na Reforma Trabalhista, foi inserido o artigo 477-A em clara oposição às decisões trabalhistas que estavam sendo proferidas, cujo texto indica que as dispensas sem justa causa coletivas, ou plúrimas, são equiparadas às individuais para todos os fins, deixando ainda muito claro que não há, em nenhum dos casos, a necessidade de negociação coletiva ou da autorização sindical para sua efetivação. A constitucionalidade ou não deste artigo será analisada, por arrastão, pela decisão do STF.

Ainda falando em dispensas imotivadas no decorrer da pandemia, destaca-se que decisões das cortes trabalhistas estão afastando as alegações formuladas pelos empregadores no sentido de que essa tragédia planetária pode ser invocada para se aplicar o chamado “fato do príncipe”, quando se tenta fazer com que o Estado seja responsabilizado pelo pagamento das verbas rescisórias e outras verbas contratuais trabalhista quando este determinou a paralização de algumas atividades em decorrência da necessidade de distanciamento social para frear a disseminação do coronavírus.

Da mesma forma estão sendo afastadas as tentativas de as empresas se eximirem de pagarem a totalidade de verbas trabalhistas sob a alegação de que o estado de calamidade pública, gerado pela pandemia, para fins trabalhista, constitui hipótese de força maior, o que atrairia a aplicação do artigo 502 da CLT, que trata do assunto. Os julgados apontam que essa situação deve ser analisada caso a caso e devidamente provada nos autos sua configuração.

Nota-se, então, que podem surgir diversas situações que envolvem o tema da demissão sem justa causa de trabalhadores em tempo de pandemia. Sendo que, infelizmente, excetuadas as hipóteses legais de garantias de emprego, ainda não há entendimento formado nos tribunais no sentido de impedir dispensas imotivadas individuais dos trabalhadores, muito embora, em determinados casos, tal medida seja social e moralmente reprovável. Por outro lado, quanto às dispensas coletivas, ainda se aguarda a manifestação do STF.

 

*Carla Reita Faria Leal e Evandro Monezi Benevides são membros do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.

[1] Cf. Processo disponível em: <https://pje.tst.jus.br/consultaprocessual/captcha/1000086-94.2021.5.00.0000/3>.

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