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Arte na rua: o que os muros contam sobre Cuiabá

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Arte na rua: o que os muros contam sobre Cuiabá

A utilização dos muros para comunicação e registro já vem desde a pré-história e, no espaço urbano, se consolida como um meio de expressão comum à cultura hip-hop. Em Cuiabá, são preenchidos com grafites e intervenções artísticas que retratam indignações, episódios históricos e enchem os olhos e a cidade de cor.

Nas principais avenidas e Centro Histórico, os desenhos chamam atenção pela criatividade, localização e significado. Alguns são resultado de ocupações políticas e culturais da cidade e até resultam em políticas públicas.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

Os desenhos nos muros se aperfeiçoam e incorporam a arquitetura, dando vida a espaços abandonados

Na avenida Tenente Coronel Duarte, antiga Prainha, uma das artes mais famosas entre os cuiabanos chama atenção pela localização e criatividade. Ela divide a subida e a descida da Avenida Coronel Escolástico e dialoga com a arquitetura de uma casa abandonada, onde tijolinhos expostos ganham cor. 

“É a princesinha do rio, uma personagem que eu criei e deu vida para essa casa”, explica Rafael Jonnier, autor da obra. O artista se destaca nas ruas da cidade por suas criações adaptadas e integradas ao espaço. “Eu estava procurando lugar para pintar, e eu sempre tive atração por espaços abandonados e a intenção de usar meu dom para ajudar visualmente aquele lugar”.

A casa já virou ponto turístico na cidade e abriu muitas portas para Rafael. “Foi onde eu comecei e ela abriu muito o mercado da arte para mim”, afirma.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

11 dos 15 imóveis instalados na “Ilha da Banana” foram demolidos para a passagem do VLT

Ao lado dela, nos escombros do local conhecido como “Ilha da Banana”, o grafite de Jean Siqueira problematiza a recente demolição da estrutura que abrigava dezenas de moradores de rua da região. Ela reflete um questionamento do artista comum à grande parte da população:

“Demoliram um espaço gigantesco, poderiam ter feito qualquer coisa, é um lugar que poderia ser melhor reaproveitado”, explica Jean. “E não adiantou nada tirar a galera de lá, ficaram ainda mais expostas e agora estão no morando no Morro da Luz”, completa.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

A arte de Babu choca quem vem se locomove sentido CPA/Centro

Ainda em frente a Ilha da Banana, a arte de Babu 78 relembra uma história que marcou o Centro Histórico da cidade. Na região conhecida como “Beco do Candeeiro”, onde está localizada, três adolescentes de 13, 15 e 16 anos foram assassinados a tiros por um policial militar, em julho de 1998.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

Grafiteiros e coletivos como o “Psicanálise na rua” também realizam atividades e intervenções como forma de levar arte ao local

Em frente à escultura feita em homenagem às vítimas da chacina, na esquina da Prainha com a Voluntários da Pátria, o grafiteiro denuncia a marginalização da juventude no local, que é ocupado pelo uso de drogas.

Ednilson Aguiar/Olivre

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O muro do Iphan é o exemplo da arte de rua como registro passível às intervenções do tempo

Ao lado, outro beco transforma-se em registro de mais um evento na cidade, prestes a ser apagada. O muro da travessa ao lado do Instituto de Patrimônio Histórico e Cultural (Iphan) é resultado de uma ação coletiva dos artistas Jean Siqueira, André Gorayeb, Morto e Keko, durante a ocupação cultural e política em 2016. 

Ocupa MinC MT

ocupa minc grafite

 

Na ocasião, todas as capitais brasileiras tiveram sua sede do Ministério da Cultura (MinC) ocupadas por artistas e intelectuais, como reação ao projeto de extinção da pasta – um dos primeiros atos da gestão do então interino Michel Temer, que recuou após as reivindicações.

Ocupa Minc MT

ocupa minc mt

A manifestação deu vida ao beco com atos culturais e shows que reuniram grandes nomes da música mato-grossense, bandas e artistas jovens e veteranos

Uma pichação realizada na mesma ocasião, do outro lado da rua, reflete o propósito do episódio e ganha ainda mais simbologia somada à colagem da imagem de dona Alice, cuiabana que reflete a resistência da tradição ribeirinha através da linguagem cosmopolita e moderna da arte “lambe-lambe”.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

A intervenção é do artista Maurício Pokemon, natural do Piauí, que esteve em Cuiabá com o projeto “Existências” e espalhou pela cidade, em tamanho real, personagens da cultura ribeirinha

Na imensidão cinza da trincheira Jurumirim, na Avenida Miguel Sutil, alguns metros de grafite dão cor ao trecho próximo ao viaduto que cruza a Avenida do CPA. As intervenções também são frutos de uma ocupação artística; organizada por Siqueira que pintou um grande menino no local. “Coloquei a mão com a flor e a algema porque uma semana antes a galera tinha sido presa por grafitar”, explica.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

A manifestação contou com a presença de veteranos como Adir Sodré e Clóvis Irigaray

O episódio reuniu jovens e artistas no local com alguns momentos de tensão, mas gerou repercussão positiva. “Eu lembro de ir com medo de estar sozinho e, quando eu cheguei lá, tinha muita gente, uma galera nova e grafiteiro das antigas, deu até nó na garganta”, lembra. 

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

Arte de André Gorayeb, o GORÁ, um dos jovens grafiteiros que manifestou sua arte durante a ocupação

Na ocasião, a reação foi elogiada pelo Governo do Estado nas redes sociais. “Depois desse dia surgiram outros diálogos com as secretarias, mas no fim a gente só foi visto, porque na prática não deu em muita coisa”, conta Jean.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

“Minha pele, sua roupa” de Deborah Rocha Neves

O episódio ainda teve como consequência um edital inédito, o “Prêmio Grafite MT”, lançado pela Secretaria do Estado de Cultura no mesmo ano.

Entre cinco projetos contemplados, o “Cuiabá Lúdico” e o “Minha pele, sua roupa”, do casal Mário Henrique Neves e Deborah Rocha Neves, coloriram o muro do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), local que enche os olhos de quem passa pela Marechal Deodoro.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

“Cuiabá Lúdico” de Mário Henrique Neves

Próximo ao local, na Rua Odorico Tocantins, esquina com a mesma avenida, janelas ganham olhos e mais uma casa ganha rosto pelas tintas de Rafael Jonnier. Ele conta que quando passou na rua pela primeira vez, a vontade de intervir foi instintiva. “Hoje eu falo que não sou eu que escolho os muros e as casas que eu vou pintar, são elas que me escolhem”.

O desenho ao lado da janela é mais uma criação de Rafael que caracteriza sua arte. Ela mistura elementos regionais com um universo mágico. “Esse é o pescador de sonhos, minha arte hoje é baseada no mundo lúdico desses dois personagens”, explica.

Ednilson Aguiar/Olivre

Grafite

Espaços abandonados se transformam através da criatividade do grafiteiro

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