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Após vencer fome e trabalho pesado, jovem vira dono do próprio negócio

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Após vencer fome e trabalho pesado, jovem vira dono do próprio negócio

Ednilson Aguiar/O Livre

Neílson Sousa Paiva

Neílson Sousa Paiva

Neílson Sousa Paiva tinha sete anos quando começou a perceber que as suas mãos ficavam cada vez mais parecidas com a de seu pai e irmãos: repletas de calos. Ali em Santa Luzia, no interior do Maranhão, o roçado era de onde a família tirava o sustento, mas o que o então garoto mais almejava era passar mais tempo com o lápis do que com a enxada.

“O pai não nos proibia de estudar, mas não era de acordar a gente para ir à escola. Ou a gente acordava sozinho e ia, ou éramos acordados por ele para ir à roça”, lembra.

Tendo aprendido sobre o valor dos estudos desde muito cedo, Neílson colocou na cabeça que, não importaria quais fossem os obstáculos, continuaria a estudar. Filho de pais analfabetos, ele passou a infância e adolescência entre a roça e a escola, vivendo a maior parte do tempo numa casa de taipa com mais sete irmãos. “Às vezes, só tinha farinha para a gente comer, aí tínhamos que ir pescar e contar com a sorte para ter um peixe também”, rememora.

“O pai não nos proibia de estudar, mas não era de acordar a gente para ir à escola. Ou a gente acordava sozinho e ia,
ou éramos acordados por
ele para ir à roça”

Chegou a se mudar de cidade com a família para poder concluir o ensino médio e viveu também com a avó. Com o sonho de cursar uma faculdade, deixou o Maranhão pela falta de perspectiva em arranjar trabalho e veio para Cuiabá, onde o pai tinha um conhecido.  

Sete anos depois de deixar a cidade natal, pegar estrada por três dias e chegar à capital mato-grossense com R$ 10 no bolso, “mas com a vontade de abraçar o mundo”, Neílson, aos 26 anos, percebe que todo o esforço valeu a pena. Casado, dono de um escritório de contabilidade e da própria casa, vai desfrutar das férias no final do ano na Europa com a mulher, “comemorando a virada em Paris”.

“Não sou rico, mas se você souber de onde eu vim…não imaginava estar na posição em que estou hoje. Não foram poucos os obstáculos, mas quando apertava, eu lembrava da enxada. E aí eu superava”.

Cuiabá
Logo que chegou a Cuiabá, aos 19 anos, Neílson foi em busca de trabalho para sobreviver e arrumou um emprego como limpador de piscina, ganhando R$ 500 por mês. Com o dinheiro, separava um pouco para ajudar nas despesas da casa onde morava de favor, no Jardim Florianópolis, e guardava o restante no fundo da mala. Ficou quatro meses limpando piscinas e migrou para a construção civil, indo trabalhar na obra de um condomínio situado perto de onde morava, do lado oposto da rodovia que os separava.

Com um salário que equivalia a quase o dobro do que recebia no trabalho anterior, decidiu ir morar sozinho e alugou uma quitinete no mesmo bairro. No trabalho, começou aprender a soldar e decidiu entrar em um curso profissionalizante de soldador. Paralelamente, começou também a se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por meio de um curso preparatório de ensino à distância. Como os cursos aconteciam em dias diferentes, Neílson conseguiu conciliá-los.

“Não foram poucos os obstáculos, mas quando apertava, eu lembrava da enxada. E aí eu superava”

Depois de mais quatro meses, virou exímio soldador, passando a ganhar por volta de R$ 3 mil e, por meio do Prouni, obteve também uma bolsa de estudos para cursar Ciências Contábeis na Universidade de Cuiabá (Unic).

O trabalho como soldador consistia em colocar uma estrutura de ferro dentro das paredes das casas pré-moldadas. Cada estrutura colocada equivalia a uma peça. Por dia, a meta de cada um era completar 20 peças.

“Eu acordava às cinco da manhã todos os dias e não tirava o horário do almoço. Assim, conseguia sair mais cedo, às 15h, para estudar e chegar às aulas sem me atrasar”, relatou.

Quando foi remanejado para trabalhar na obra de um outro condomínio nas proximidades da fábrica da Coca Cola, em Várzea Grande, a situação se complicou. Nessa época, Neílson chegava a pegar oito ônibus todos os dias.

“Nos dias em que eu tinha prova, levava um garrafa de dois litros e um pano para o trabalho. Como não tinha como tomar banho, porque era muita gente para pouco banheiro, molhava as extremidades do corpo descobertas e passava o pano, para tirar um pouco da sujeira e ir para à aula. Por baixo da roupa, no entanto, eu estava bem sujo de pó e ferrugem”, recorda.

A rotina durou um ano, até ele conseguir juntar o necessário para comprar uma moto.

Parceria
No decorrer de 2013, Neílson também conheceu a esposa Letícia da Silva Pardo em um retiro da igreja que costuma frequentar. Um ano depois, casaram-se.

Divulgação

Neílson casamento

 

O casal foi morar de aluguel e, depois de mais um ano, comprou uma casa no residencial Canachuê, que pertencia ao tio da esposa, que mora em Pamplona, na Espanha.

No sétimo semestre da faculdade, por indicação da esposa que também é contadora, Neílson foi trabalhar em um escritório de contabilidade para ganhar, contudo, R$ 900. “Mais importante do que o dinheiro, naquela ocasião, era aprender. Afinal, era o que eu estudava”, explica. Após se formar, o jovem e a esposa decidiram abrir o próprio escritório. Como ainda faltava dinheiro, arranjaram mais um sócio – um antigo patrão da mulher.

Neste ano, porém, há quatro meses, Neílson e Letícia compraram a parte dele, tornando-se os donos do próprio negócio. “Agora é tentar fazer com que o escritório cresça mais. Em dois anos, ele cresceu 17%, considerando o número de clientes”, avaliou.

 

“Todo mundo tem um sonho.
Se eu cheguei até aqui,
posso ir além”

Além do escritório, Neílson comprou um carro novo e, para quitar as parcelas, trabalha também como motorista de Uber.

“Dirijo das 6h às 9h. Aí vou para o escritório e almoço com a esposa. De tarde, cumpro com as obrigações burocráticas, como pagamentos, e volto a dirigir como Uber a partir das 15h, indo até por volta de 22h”, detalha. Com o dinheiro que ganha, o jovem também ajuda a família.

Movido por sonhos, o casal, no final do ano, realizará mais um: viajará à Europa. “Desde que nos conhecemos a gente conversa de um dia ir para lá. Ela [a mulher] tem uma irmã que mora na França e o tio que mora na Espanha. Eles irão nos receber e estamos muito animados”, diz. Serão 22 dias pelo continente europeu. 

Sobre as dificuldades superadas, Neílson credita o sucesso ao fato de nunca deixar de acreditar nos sonhos, ainda que as dificuldades pelo caminho insistam em demonstrar o contrário. “Todo mundo tem um sonho. Se eu cheguei até aqui, posso ir além”.

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