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Aos 72 anos, barbeiro encontra a paz tocando violino

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Aos 72 anos, barbeiro encontra a paz tocando violino

Helson França/O Livre

Barbeiro violinista

Jacinto ouviu o som do violino pela primeira vez aos 7 anos: “foi paixão à primeira audição”, conta 

Espremido entre dois imóveis, o estabelecimento de fachada estreita, pintura por fazer e paredes já um tanto carcomidas pela ação do tempo quase passa batido para os transeuntes da movimentada rua 7 de Janeiro, no bairro Jardim Leblon, em Cuiabá. A pequena placa no chão com os dizeres “corte 10 reais” e os dois banners amarelos e verticais, pendurados um de cada lado, onde se lê “barbearia” em tons de vermelho, não deixam dúvidas de que o ambiente se trata de um salão.

No entanto, pelos vidros transparentes das janelas e porta, a imagem que se revela não é a de pessoas dando um trato no visual ou aguardando serem atendidas. Do lado de dentro, um senhor sentado, com um violino apoiado entre o ombro e o braço esquerdo, desliza o arco pelas cordas do instrumento com a sua mão direita, enquanto a vida corre lá fora.

Ao abrir a porta, ouve-se pelo recinto a música clássica vinda da vitrola, que acompanha o som do senhor com o seu violino. Tomo assento. O barbeiro violinista me olha com um sorriso de canto de rosto e continua a tocar para, pouco depois, se levantar, acomodar cuidadosamente o instrumento na poltrona em que estava e vir me cumprimentar. “Boa tarde. E então, como vai querer o corte?”

Sonho
A habilidade nos dedos acompanha Jacinto Caetano de Olieira desde menino e o destino, aliado à necessidade, o levou a ser barbeiro ainda muito jovem. “Tudo começou com uma brincadeira com dois irmãos. Se eu conseguisse cortar os cabelos deles sem deixar buracos, eles se encarregariam da minha parte na roça. Caso contrário, eu faria a parte deles. Deu certo e continuei”, conta.

Em Mimoso, no interior de Mato Grosso, a infância de Jacinto dividiu-se entre a roça, onde ajudava a família a tirar o sustento, e o corte de cabelo de pessoas próximas, para complementar a renda.

Um dia, quando tinha 7 anos, parou de socar o arroz para admirar um som agudo que lhe chegava aos ouvidos transmitindo leveza. A sonoridade vinha de um violino, tocado por uma mulher que integrava uma banda, que passava em frente à casa onde morava. Quando menos percebeu, lágrimas escorriam pela face. “Mas não eram de tristeza, e sim de emoção, por ouvir algo tão bonito. Foi paixão à primeira audição”, rememora.

Jacinto não frequentou a escola e, devido a problemas financeiros, em 1964 se mudou com os pais e outros 13 irmãos para Cuiabá. Foi trabalhar de barbeiro, casou-se e acabou indo morar com a esposa, com quem teve dois filhos. Já na década de 70, serviu o exército pelo 9º Batalhão de Engenharia e Construção (9º BEC). Teve malária e voltou para casa depois de 10 meses. A união com a esposa foi desfeita e Jacinto seguiu cortando o cabelo das pessoas.

Mesmo sem saber ler ou escrever, o barbeiro continuou a cultivar a sua paixão pelo violino com os discos que comprava, em sua maioria, de grandes nomes da música clássica, como Bach, Mozart, Beethoven, Chopin e Vivaldi. “Esse gosto vem lá de menino, quando ouvi o som do violino pela primeira vez. Sempre sonhei em um dia tocar o instrumento, mas era muito difícil sem saber ler”, frisou.

Helson França/O Livre

Barbeiro violinista

O barbeiro trabalha todos os dias, de domingo a domingo e, quando não está atendendo os clientes, está tocando

Jacinto casou de novo, teve mais dois filhos e somente na metade dos anos 80, quando se aproximou da igreja, foi que o sonho passou a se materializar. Por incentivo da família e dos colegas da igreja, começou a aprender a ler por meio da Bíblia. Depois, a cantar. O contato mais próximo com o violino, entretanto, só viria depois de algum tempo ainda. “Não me sentia à altura”, justifica.

Com o passar dos anos, já mais confiante por ter aprimorado a leitura e a escrita, o barbeiro, enfim, decidiu que era a hora de ter o seu próprio violino. Com a ajuda de um amigo músico da igreja, que lhe iniciou na leitura de partituras, comprou o instrumento no ano passado. Aos 72 anos, desde então, tem se dedicado diariamente à prática.

No seu salão, que funciona de domingo a domingo a partir das 7 horas, uma das duas poltronas é reservada para o treino com o violino. Em frente ao espelho, o livro de partituras permanece aberto o tempo todo. Ele estuda atualmente as técnicas de solfejo. “Entre um cliente e outro, pego o violino para tocar. A minha grande vontade agora é fazer parte da banda da igreja”, relata.

Bastante religioso, Jacinto, que é vizinho da rua da Paz – situada a poucos metros do salão -, acredita possuir uma conexão especial com o instrumento. “Me disseram que há uma alma no violino, que aí bate com a minha e por isso sinto essa paz. Quando toco, sinto alegria no coração. Acho que é espiritual mesmo.”

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