Após 10 meses de tramitação e sem nenhuma definição, o projeto de lei nº 668 de 2019, conhecido como o PL da Cota Zero, será uma das pautas mais polêmicas que os deputados estaduais terão que enfrentar no primeiro semestre deste ano, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso.
O impasse começou no final do ano passado e pouca gente sabe – e isso incluiria os próprios deputados -, mas a Mesa Diretora da ALMT resolveu contratar um estudo sobre o impacto socioeconômico da eventual proibição de se transportar, armazenar e comercializar peixes nativos dos rios do Estado.
A falta de transparência sobre a realização desse estudo acabou roubando a cena.
Desconhecimento
A maioria dos deputados sequer conhece da existência do contrato, cujo objetivo seria produzir conteúdo suficiente para embasar os votos a favor ou contra o projeto de lei da Cota Zero.
Secretário especial da ALMT, o ex-deputado José Domingos Fraga disse que esclarecer os detalhes sobre a contratação do estudo compete à Mesa Diretora – cujo presidente é o deputado Eduardo Botelho (DEM).
Já quanto ao cronograma para a votação do projeto, Zé Domingos disse que só vai ser elaborado depois que o estudo ficar pronto.
O líder do governo na Assembleia, deputado Dilmar Dal Bosco (DEM), sabia da contratação. Ele estima que o estudo será entregue ao final de fevereiro.
Mas, aparentemente, à revelia do que o estudo apontar, Dilmar disse já existir uma tendência entre os deputados de votar o projeto incluindo nele uma previsão para que as regras passem a valer somente depois de 2021.
Seguro-defeso
Até lá, segundo Dilmar, os parlamentares, em conjunto com o governo, tentariam encontrar soluções para temas que continuam sem definição, como a necessidade de criar um seguro-defeso para os pescadores profissionais.
Se o projeto for aprovado, essa categoria deve ficar impedida de exercer a atividade de sua principal fonte de renda pelos próximos cinco anos.
“Temos que encontrar uma maneira de como será sustentado esse pescador, fazer um novo cadastramento dos pescadores profissionais e o Estado oferecer um seguro durante os oito meses nos quais o pescador ficará sem receber o seguro-defeso pago pelo governo federal”, defende.
O seguro-defeso, no valor de um salário mínimo, já é pago entre outubro e janeiro em Mato Grosso, quando é decretado o período da piracema, época do ano de reprodução dos peixes.
A oposição
Dentre os deputados que já decidiram ser contrários à aprovação da Cota Zero – com ou sem um estudo substancioso que trate dos impactos da nova legislação -, está Elizeu Nascimento (DC).
“O projeto não tem cabimento. Existe um substitutivo tramitando que, inclusive, vai direcionar as receitas das multas aplicadas sobre a pesca predatória para a fiscalização. Se tivermos uma fiscalização eficiente, evitamos os crimes. Se fecha a pesca e continua sem fiscalização, não vai resolver nada, só vai aumentar a ilegalidade. Também tem a questão de soltura de alevinos, que está proposta no substitutivo”, ele defendeu.
Elizeu, aliás, já apresentou dois substitutivos ao projeto original do governo do Estado.
Em uma das contrapropostas do parlamentar, a proibição é retirada e, como alternativa, é apresentado um enrijecimento das regras para transportar, armazenar e comercializar peixes oriundos da pesca profissional e amadora.
O pescador profissional, por exemplo, passaria a ter uma Declaração de Pesca Individual (DPI) e o comerciante precisaria de uma Guia de Trânsito e Armazenamento de Pescado (GTAP).
Já os consumidores, se forem pessoas físicas, teriam que receber nota fiscal ou recibo de compra com número da DPI e Registro Geral (RG), além de informações da espécie e peso do animal, emitido pelo pescador.
Na prática, a proposta manteria a atividade inviável – pelo menos nos padrões da legalidade – para pescadores que vivem em condições mais precárias e que, muitas vezes, sequer têm condições de acesso ao sistema para emitir nota fiscal.
O que os afetados acham?
Um dos setores que mais se opõe ao projeto da Cota Zero é o do comércio de iscas e materiais para pesca, representado pela empresária Nilma Silva, presidente da Associação do Segmento da Pesca do Estado de MT (ASP-MT).
Segundo Nilma, a associação reúne mais de 800 empresas.
Ela questiona a validade do estudo que a Assembleia contratou. Ressalta que não se conhece do objeto de estudo, os valores de contrato, os prazos e nem quem realizará este levantamento.
E diante do fato de Mato Grosso possuir três biomas – Amazônia, Cerrado e Pantanal -, a empresária julga inviável estudar o impacto baseado apenas em bibliografia. Ela defende a necessidade de uma pesquisa in loco.
Do ponto de vista econômico, o projeto pode significar, de acordo com Nilma, o fechamento da maioria das empresas do segmento.
“O cota zero é tão impactante como se fosse o período da piracema. Em épocas de pesca liberada, existe um aumento de 75% nas vendas. Mas, independentemente de período, tenho que pagar funcionários, água, luz e impostos”, desabafa.
O que diz a ALMT?
A reportagem do LIVRE entrou em contato com a assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa de Mato Grosso solicitando dados sobre o contrato de estudo do impacto do Cota Zero.
Segundo assessoria do deputado Eduardo Botelho (DEM), o estudo ainda não teria sido contratado e nenhuma decisão sobre o projeto será tomada sem a finalização desse levantamento.
O LIVRE buscou o suposto contrato no Portal da Transparência da ALMT, mas não encontrou qualquer documento referente a ele.