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Alfabetização transforma a vida de idosos em Centro de Convivência

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Alfabetização transforma a vida de idosos em Centro de Convivência
Foto: Ivo da Silva

Ler e escrever, algo tão simples para alguns e tão significativo para outros. Em Cuiabá, dezenas de idosos estão recebendo a oportunidade de agora, na melhor idade, realizarem o sonho de serem alfabetizados.

Duas dessas classes funcionam no Centro de Convivência para Idosos João Maria dos Santos, conhecido como CCI João Guerreiro, no Bairro Altos do Coxipó. As salas são anexas da Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) Jesus Criança e o LIVRE foi conhecer algumas histórias que passam por essas classes.

Através da leitura, as vidas de dezenas de idosos estão sendo transformadas, pessoas que, por algum motivo, não tiveram acesso à educação quando mais novos.

Genir Nunes de Olinda, 57 anos, por exemplo, começou a frequentar as aulas há dois anos. Apesar de ainda não ter os 60 anos necessários, foi aceita no CCI com um atestado médico que apontava uma severa depressão.

Ela contou que o CCI mudou sua vida e serviu como um tratamento. “Eu sentia um vazio muito grande dentro de mim, nada me preenchia. Depois que eu entrei aqui foi só paz e alegria no coração e na alma”, disse.

Para ela, divorciada há 19 anos e tendo apenas um filho já casado, os colegas de classe se tornaram uma família. E não é para menos, já que ela frequenta o Centro de Convivência todos os dias da semana. E, através da leitura, conseguiu preencher o que considerava vazio.

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Ao pedagogo Ivo da Silva, 47 anos, responsável pela primeira fase do projeto, a alfabetização, ela é só elogios. “Além de dar aula, se você está triste ele brinca para te deixar alegre, é uma pessoa muito contente, não deixa ninguém triste”, contou.

Mas Ivo não é querido somente por Genir, basta passar alguns minutos no Centro de Convivência para notar a atenção e o carinho com que ele trata a cada um dos idosos. Por onde passa faz questão de dar as mãos, abraçar e até arrisca uns passos de dança com algumas das senhoras.

Ele dá aulas no CCI há dois anos, mas antes fez mestrado na Universidade Federal de Mato Grosso com o professor Edson Caetano, que tem um trabalho de “produção associada de saberes”, em que ele vai em comunidades, observa qual é a produção deles e as transforma em saber científico.

Quando chegou ao João Guerreiro, Ivo percebeu que apesar de não serem alfabetizados, cada um daqueles idosos trazia um grande saber adquiridos ao longo dos anos. Por isso, optou por utilizar o método Paulo Freire, em que a alfabetização é feita com base no que a pessoa mais gosta de fazer.

“Eu percebi aqui que elas faziam artesanato, pintura, bordado… e usei isso. Nós temos feito a alfabetização somada com essa produção de saberes. Porque faz da aula mais divertida e dinâmica e auxilia que eles compreendam isso”, explicou.

Logo no início ele teve uma aluna chamada Domingas, que contou que era uma cozinheira de mão cheia, mas se entristecia em não saber escrever o nome de nenhum dos objetos da cozinha e pediu para aprender a escrever caneca.

“Então o processo de alfabetização com aquela aluna foi a partir da compreensão e do processo de escrita da caneca. Quando ela escreveu entendendo porque C+A+N+E+C+A formava a palavra caneca ela começou a chorar do nada”, contou o professor emocionado.

“Eu percebi que para nós é tão pouco, ou nada. Mas para ela, a caneca era tudo naquele momento”, completou.
As aulas acontecem nas segundas, terças, quartas e sextas-feiras, das 07 às 11 horas. E os alunos também fazem ginástica, que seria a educação física deles.

A intenção, segundo Ivo, é ajudar os alunos a se inserirem melhor na sociedade e fazer com que eles, apesar de já idosos, tenham mais oportunidades.

“Teve um aluno que falou ‘professor, eu preciso saber ler quanto está na minha conta de água, todo mês eu tenho que ir no banco e pedir para a mulher ver quanto está’. Então eles querem aprender”, disse Ivo.

Foto: Ivo da Silva

E com as turmas formadas por pessoas da mesma idade, o professor acredita que o aprendizado deles se torna muito melhor, inclusive com uma melhor produção, visto que em uma sala de idosos não há bagunça, como em uma de crianças, quem procura as aulas é porque está realmente interessado e, conforme disse Ivo, raramente eles faltam.

Além disso, como se entendem, os alunos também sempre se ajudam. A pedagoga aposentada Benedita Souza Santos, 63 anos, é uma das pessoas que faz questão de ajudar. Ela contou que quando se aposentou começou a entrar em depressão por estar muito ociosa e o CCI a devolveu a felicidade da vida.

“Aqui eu aprendi a fazer vasos com reciclagem, aprendi a fazer crochê, pintura em tecido, bordar em tecido. E isso é bom, porque você não fica com a mente enferrujada, a gente abre os horizontes”, disse.

Há um ano no CCI João Guerreiro, ela resolveu devolver um pouco do que recebe no local, ajudando nas aulas da escola sempre que precisam. “Para mim é gratificante, chego em casa com alma lavada. Quem vem aqui, não abre mão mais”.

Benedita e seu filho Diego, também coordenador do CCI

O coordenador do Centro de Convivência, Diego Henrique da Silva, 30 anos, disse que para quem trabalha no local, ver esses alunos correndo atrás do tempo que perderam quando jovens é uma grande alegria.

“É uma motivação ver neles essa vontade de querer crescer. E além do conhecimento, tem a questão da convivência, que muitos não têm da família a devida atenção, então eles veem aqui como uma válvula de escape”, disse.

Lenir Corrêa da Costa, 81 anos, já participa das aulas há quatro anos, ela contou que começou para ter ocupação e poder conviver com pessoas da idade dela. E, com a alfabetização, viu sua vida melhorar.

Apesar das dificuldades do começo, visto que ela começou do zero, ela contou que as aulas a trouxeram um grande desenvolvimento mental e, com sorriso no rosto, convidou outros idosos a também participar: “procurem vim aqui aprender e conviver com esse ambiente maravilhoso”.

Nas salas do CCI João Guerreiro há duas fases, a alfabetização e a de aperfeiçoamento. Porém, alguns alunos querem mais e, por isso, o coordenador e o professor Ivo lutam para que seja inserida a terceira etapa, “para que eles saiam daqui com o ensino fundamental e médio. Não são todos, mas alguns querem concluir o ensino médio e dizem que é muito importante para a vida deles”, contou Ivo.

O pipoqueiro Clóvis, que sonha em se tornar engenheiro Civil

Um deles é o pipoqueiro Clóvis Augusto de Oliveira, 61 anos – cuja o LIVRE contou a história na semana passada -, que depois de aprender a escrever, agora sonha em entrar na faculdade e se tornar um engenheiro civil.

Ivo contou que histórias como a de Clóvis são um combustível para sua vida. Pedagogo também no Instituto Federal de Mato Grosso, muitas vezes o perguntam porque ele segue dando aula na rede municipal (no CCI), visto que o salário é menor, mas ele sempre responde que é indescritível a sensação de contribuir para a vida de alguém.

“Professor é uma categoria que sofre muito, mas ama o que faz. Não tem como você não se emocionar, não crescer enquanto gente. Porque o processo de ser gente faz parte disso também, de você se doar. Eu fiz um ensino fundamental na escola pública, ensino médio na escola pública, dois cursos superiores em universidades públicas, fiz mestrado na Universidade Federal de Mato Grosso, também pública, então eu acho que também é uma forma de eu contribuir e agradecer”.

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