No artigo da semana passada, falei sobre máscaras. Aquela carapaça que a vida nos obriga a desenvolver. E pensei muito na minha avó paterna – a vó Biloca, como carinhosamente a chamávamos.

Quando crianças, não éramos muito bonzinhos – ao contrário, éramos bem levados. Minha avó, em busca de algo que nos amedrontasse, começou a usar uma cinta vermelha em volta do pescoço. Assim, evitava que fizéssemos estripulias pela casa. No meu caso, era mexer em seus bibelôs até quebrá-los. Acho que queria dar vida àquelas lindas bailarinas que enfeitavam a sala (ou talvez fosse travessura mesmo).

Todas as vezes que algo saía do controle, ela dizia: “Olha a cinta vermelha!”. Era o que precisávamos para nos comportar novamente. 

E funcionava.

De verdade, não me lembro dela ter usado uma única vez a cinta em mim ou nos meus primos. Se usou, minha memória fez questão de deletar. Para mim, aquela foi a máscara que ela encontrou para domar os netos quase indomáveis (eu encabeçando a fila).

Apesar da imagem de pessoa enérgica (criou cinco filhos) e da cinta vermelha, minha avó – os poucos que tiveram o prazer de conhecê-la intimamente sabem disso – era uma mulher dócil e foi uma das figuras femininas mais importantes de minha vida.

Por trás da máscara, era sensível e sabia da insustentável leveza do ser humano como poucos. Com ela aprendi que fazer terapia era algo comum. Que sentir um vazio na alma às vezes era compreensível. Que a vida nem sempre era suportável — e que, alguns dias, era difícil lidar até com o habitual.

Mas a maior lição que minha avó me deixou foi a de ser guerreira. Ela caía, ficava uns dias mal, mas levantava como um leão voraz. Com sede de vida, de gente, de amor.

Eu me vejo muito nela. E acredito que essa herança genética foi a melhor coisa que a vida me deu.

Minha avó poderia estar melancólica, mas nunca deixou de ir ao salão de beleza fazer o cabelo e as unhas. Nunca se entregou. Morreu aos 81 anos, loira como sempre e com o esmalte e o batom vermelhos impecáveis. Elegante, usava vestidos de renda, que poderiam ter sido criados por Martha Medeiros décadas antes de virarem moda.

Em público, era considerada reservada. Creio que foi a máscara que encontrou para viver o papel de primeira-dama (meu avô foi prefeito quatro vezes). Em família, não tinha papas na língua. Era assertiva e falava o que precisava ser dito. 

Sou grata por ter tido o privilégio de ter conhecido a minha avó em sua essência. Ela contribuiu muito para eu ser a mulher que me tornei.

E você? Quem você agradece ter conhecido na essência, sem usar a máscara imposta pela vida?

Assinatura Debora Nunes

 

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