Mato Grosso carrega uma rica e diversificada tradição que chega até a gastronomia e, com a forte presença de comunidades quilombolas no Estado, ganha traços e sabores afro-brasileiros que contrastam com a monocultura de exportação do agronegócio. Este tipo de culinária ganhará uma nova ferramenta de divulgação, através do projeto da pesquisadora Jackeline Silva, intitulado Afro Paladar – Nutrindo a Cultura.
Para registrar as características e a simbologia do processo de produção dos alimentos, profissionais locais vêm circulando pelas comunidades a fim de construir um catálogo de pratos típicos dos quilombos de Cuiabá e região. O material irá conter receitas e boas histórias dos personagens envolvidos. “É o elemento humano que agrega valor simbólico e dá sentido a este rito”, afima a coordenadora e idealizadora do projeto.
Como cuiabana, Jackeline conta que a ideia surgiu do gosto pela comida local. Participando de festas de santos em comunidades tradicionais, não demorou para a curiosidade aguçada da cientista social transformar o prazer em pesquisa. “As festas sempre me impressionavam pela responsabilidade de preparar os alimentos para um grande número de devotos e convidados”, diz. Em 2016, o projeto foi aprovado pelo Edital Tradições, da Secretaria de Cultura de Mato Grosso (SEC).
O trabalho da cineasta Juliana Segóvia e do fotógrafo Luzo Reis vieram somar na perspectiva sociocultural com o registro audiovisual. Ambos são documentaristas e conheceram Jackeline a partir dos trabalhos que realizam com a comunidade haitiana em Cuiabá. A produtora cultural ressalta, ainda, que a equipe conta com diversos interlocutores que os aproxima das comunidades, durante as visitas. “São pessoas fundamentais para realização desse tipo de trabalho, pois sem elas o acesso às comunidades é praticamente impossível”.
Sobre suas percepções durante a viagem, ela revela: “Compreendi que a ação cotidiana de preparar o alimento está intimamente associada a um saber ancestral, transmitido de geração a geração, oriundo de diversos países da África que, ao serem introduzidos nos países da diáspora, mesclaram-se aos ingredientes e saberes dos povos nativos e também trazidos pelos colonizadores”.
Militante da causa, Jackeline acredita que a importância de um registro do “afro” paladar também contribui para dar visibilidade aos afrodescendentes no Brasil. Para ela, ser uma pesquisadora negra também facilitou o processo de identificação e confiança. “Eles foram e ainda são discriminados pela sociedade e, no entanto, seguem trabalhando ao longo dos séculos, contribuindo de forma substancial para a formação cultural e alimentar dos brasileiros”, afirma.
Os profissionais já passaram por locais como a comunidade Campina de Pedra e Morro Cortado (Poconé), Comunidade Retiro (Barra do Bugres), Comunidade Abolição (Santo Antônio do Leverger), Comunidade Ribeirão da Mutuca e Mata Cavalo de Cima (Nossa Senhora do Livramento) e Comunidade Aguaçu (Cuiabá).
“Estamos em plena fase de produção e o projeto tem sido bem recebido pelas pessoas nas comunidades, por se tratar de um tema prazeroso”, revela Jackeline.
O lançamento do catálogo está previsto para o mês de abril de 2018. O material será distribuído gratuitamente às instituições, pessoas/grupos interessados na temática e, principalmente, às escolas quilombolas das comunidades visitadas.
Enquanto isso, o projeto pode ser acompanhado pelas mídias sociais e instagram: @afropaladar.