“A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim…” (Mário Quintana)
Começar parece a coisa mais fácil. Da vida, quero dizer. Temos uma página em branco a preencher. Uma infinidade de caminhos. Opções. Oportunidades. Sonhos. O tempo em nosso favor. Saúde para dar e vender. Nossos pais, jovens, prontos para nos ajudar.
A infância é uma longa descoberta. Os primeiros passos. As primeiras palavras. Os primeiros tombos. O início do longo processo de aprendizagem. O sorriso no rosto quando conseguimos fazer algo sozinhos.
Passamos os anos iniciais buscando caminhar sem ajuda, brincar de nosso jeito, ter autonomia.
Na adolescência, então, a luta pela independência atinge o ápice. Achamos que sabemos tudo, que somos invencíveis e não precisamos de nossos pais. Olhamos para eles e é como se olhássemos para alienígenas. Não nos reconhecemos neles. Só nos reconhecemos em nossos amigos.
Mas o tempo corre.
Viramos adultos. Quem tem filho tem uma luz. Finalmente, entendemos nossos pais. E passamos para o outro lado.
Agora são nossos filhos que querem seguir sozinhos. E nós só sentimos segurança enquanto eles estão em nosso colo.
Só que eles querem fugir. Querem voar. Como nós, lá no começo da vida. E, com o coração apertado, soltamos suas mãos para que conquistem o mundo.
O tempo segue implacável.
Somos obrigados a reconhecer que os anos passaram. Entramos nos enta. Nossos amigos perdem os pais. Aquela conversa com a mãe não tem o mesmo ritmo. Enfim, chegou a hora de dizer que envelhecemos.
Somos obrigados a pensar na morte. Dos pais. De nossos amigos. Nossa.
Somos forçados a pensar naquilo que evitamos o tempo inteiro: os finais.
Eu nunca vou me acostumar a falar da morte, mesmo que tenha 100 anos. Falar do fim, para mim, é melancólico e é limitante.
E dá para entender o porquê.
Terminar é como fechar as cortinas de um grande espetáculo. Como chegar ao fim do livro de que mais gostamos. Como encerrar uma caminhada que nos trouxe tudo: surpresa, tristeza, dor, amor e alegria. Sem a certeza de que teremos outra oportunidade.
Na verdade, talvez seja humano não se preparar para fins. Porque se sonhos são nosso impulso de vida, como nos acostumar com a ideia de que não poderemos mais fantasiar?
Às vezes, uma morte repentina nos obriga a refletir. Mas, na maior parte do tempo, não nos resta outra saída: temos que encher o tempo com vida e desejos para a morte não ocupar nenhuma brecha. Para adiar pensar no fim nem que só tenhamos um segundo de vida.