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“A população e os juristas foram enganados com a reforma trabalhista”

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“A população e os juristas foram enganados com a reforma trabalhista”

O desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª, Carlos Henrique Bezerra Leite, esteve em Sinop (500 Km de Cuiabá) para ministrar um curso sobre as mudanças na lei trabalhista, mas não deixou de lado sua forte opinião acerca do tema.

Também professor e doutrinador, doutor e mestre em Direito (PUC/SP), Bezerra apresentou em detalhes os principais pontos de conflito da nova legislação e sua indignação com o processo em que foi elaborada.

De acordo com Bezerra, que foi convidado para participar da análise de um dos sete pontos iniciais que seriam atualizados na lei, os magistrados convidados para opinar foram totalmente utilizados para legitimar um processo feito aos moldes de vingança contra os trabalhadores.

“Não há dúvidas de que a lei trabalhista necessitava de uma atualização, mas como foi feito realmente foi espúrio e imoral. Essa reforma trabalhista possui um déficit democrático dos mais gritantes de toda a história do Poder Legislativo brasileiro, porque ela começou com um projeto de lei do presidente Temer, com apenas sete artigos. E na Câmara de Deputados, foram transformados em mais de 100 artigos, com cerca de 225 dispositivos. E, depois, o Senado Federal aprovou na íntegra, mesmo algum dos senadores divergindo do conteúdo. Tudo aprovado em nome de uma possível regularização do presidente da República por meio de uma medida provisória. A medida provisória veio depois, o próprio parlamento não quis sequer apreciar. Isso eu chamo de um estelionato legislativo”, argumentou indignado, lembrando ainda que os políticos deixaram subentendido que a academia participou da discussão completa em uma tentativa de legitimar o processo.

“Eu fui convidado pelo deputado Rogério Marinho, que foi o relator da reforma do PSDB do Rio Grande do Norte, para falar especificamente de um artigo, o negociado sob o legislado, e eles divulgaram como se a gente tivesse participado de todos os outros duzentos artigos que já estavam no bolso do paletó. Eu me senti absolutamente utilizado e abusado, totalmente utilizado para legitimar um procedimento que a meu ver era totalmente espúrio, imoral, que data venia, me parece que não tem outras palavras para descrever”.

O magistrado lembrou ainda que a classe trabalhadora perdeu inúmeros direitos constitucionais adquiridos, violando o seu direito democrático ao acesso à justiça. Na visão de Bezerra, a reforma aconteceu neste formato porque claramente foi comprometida com os grandes grupos econômicos.

“Os megaempresários promoveram isso e seduziram os pequenos e médios empresários no sentido de que seria boa, mas ela não é boa nem para os trabalhadores nem para os pequenos, médios e microempresários. Pelo contrário, a nova lei criou conflitos onde não havia ao invés de incentivar a autocomposição, a negociação. Ela está criando desconfiança de todos os lados, gerando temor aos trabalhadores de irem à Justiça do Trabalho por conta de possibilidades do trabalhador entrar com um pedido, alguma coisa, e saírem devendo centenas e milhares de reais”, ressaltou.

A pressa com que os artigos foram aprovados também foi questionada pelo especialista, que possui diversos livros sobre o Direito Trabalhista. Bezerra diz ainda que nunca se viu tamanha agilidade no Congresso como foi com a reforma.

“Fizeram uma reforma a toque de caixa, com menos de 2 meses de tramitação. É um absurdo, uma legislação que vai influenciar a vida de milhares de pessoas. Houve na verdade uma irresponsabilidade. Eu, como jurista, professor, me causa muita preocupação”.

Ainda de acordo com Bezerra, a reforma foi divulgada erroneamente como sendo criada para sanar conflitos na modernização das relações, diminuição do desemprego e por fim gerar segurança jurídica.

“Na prática, a legislação mostrou insegurança, tanto é que estamos fazendo esse curso ainda hoje porque as pessoas estão na dúvida. A própria reforma é contraditória, os empresários estão confusos, não tem segurança para poder contratar os trabalhadores, têm medo de perder e ficar devendo, como já vimos em alguns casos”.

O especialista diz ainda que o papel dos advogados se tornou ainda mais importante, principalmente no aconselhamento, para garantir que seu cliente não perca seus direitos por pressão econômica e medo.

”Houve alguns atores da própria justiça do trabalho, como o presidente da Justiça do Trabalho, que se aliou a esse movimento ideológico neoliberal que foi implantado no Brasil com requinte de crueldade e, a meu ver, com espírito de vingança, como se todo o trabalhador fosse do PT (Partido dos Trabalhadores). Então, foi assim, uma vingança de um período de um governo, vendo a ascensão desse grupo político. Patrocinaram o impeachment da presidente e, ainda por cima, vieram com a reforma porque eles estavam com a faca e queijo na mão. Isso porque o Congresso, na sua maioria, representa o interesse desses empresários”, finalizou.

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