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A ilusão das noites azuis

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A ilusão das noites azuis
(Foto: Divulgação/Pixabay)

“Durante as noites azuis, você acredita que o dia nunca acabará… Noites azuis são o oposto da morte da escuridão, mas também são um aviso”. (Joan Didion)

Para quem gosta de histórias de sobreviventes, eu recomendo alguns livros da escritora norte-americana Joan Didion. Já falei aqui sobre ela em O ano do pensamento mágico. Agora, quero falar de Noites Azuis, a obra em que ela relata a experiência de perder a única filha, Quintana Roo. O nome exótico da garota é uma homenagem a uma região do México, que ela e o marido visitaram e resolveram que seria como a filha se chamaria, caso a tivessem.

Mas, afinal, de onde vem este título?

Para quem mora no Hemisfério Norte, noites azuis têm nomes, de tão fascinantes. É o chamado crepúsculo, aquele período entre o pôr-do-sol e o anoitecer, conhecido como a hora da esperança. Pois Didion começa o livro no que seria o melhor momento de Quintana. Mais precisamente, em 26 de julho 2010, naquele que seria o sétimo aniversário de casamento da filha. Daí o leitor é transportado para o cerimônia, as escolhas da noiva, os pequenos detalhes, a promessa de uma vida a começar.

“A memória se apaga, a memória se ajusta, a memória se molda ao que achamos que lembramos”.

Didion faz uma viagem no tempo. Mas, como ela diz, a memória se adapta ao que queremos lembrar. No começo, ao olhar para trás, tudo parece perfeito. Pensa nos momentos da infância da filha na Califórnia, na casa onde moravam, nas recordações da vida em família — dos trabalhos da escola às fotos retratando o crescimento de Quintana.

“Quando pensamos em adotar uma criança, ou para ser sincera, quando falamos sobre ter filhos, nós só estressamos o lado bom. Nós omitimos o instante do calafrio, do ‘e se’, a possibilidade de falharmos. E se eu não conseguir cuidar desse bebê?”

Aos poucos, Didion começa seus questionamentos e percebe o quanto a ideia de adoção pode ser avassaladora para uma criança. Quintana fora adotada assim que nasceu. A sensação de abandono perseguiu a filha durante toda a vida. Ela descreve a luta interna que Quintana travava contra seus demônios, seus altos e baixos, que terminou com um diagnóstico de transtorno de personalidade borderline. E, claro, a autora discute a sua culpa. Será que errou na criação da filha? Poderia ter feito algo para mudar a história dela?

“Que luto maior há para mortais do que ver seus filhos mortos. Eurípedes disse isto.

Quando falamos sobre mortalidade, estamos falando sobre nossos filhos. Eu disse isto”.

A escritora demorou 5 anos para conseguir falar sobre a morte da filha. Em certo momento, o tempo que viveram em Nova York lhe vem à mente. Segundo Didion, “um tempo em que ainda considerava felicidade, saúde, amor, sorte e crianças lindas como bênçãos ordinárias”. Daí passa pelo ano de 2003, que seria caótico. Perderia o marido enquanto a filha estava em coma induzido. Morreria em 20 meses, após passar por quatro hospitais diferentes. A autora revive os momentos da doença.

“O tempo passa. Será que nunca acreditei? Nunca pensei que as noites azuis não durariam para sempre?”

O livro de Didion é um mergulho em suas memórias, mas também traz uma reflexão sobre o processo de envelhecimento, sobre a sensação de que o tempo passou num piscar de olhos. Mas o que mais me atrai é seu instinto de luta e sobrevivência.

De onde tiramos força para resistir à mais cruel e injusta das dores, a perda de um filho? Se quer obter algumas respostas, leia a obra de Didion. Você não vai se arrepender.

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