Já não era sem tempo. Após quase cem anos de discussões teóricas e tentativas tímidas de ação, toneladas de retórica e alguma boa vontade, surge, por um feliz desígnio das circunstâncias, uma oportunidade de ouro: a “coronacrise”.
Oportunidade de ouro não somente para os fabricantes de álcool em gel e filmes on demand, mas também para aqueles que se entusiasmam e enxergam elementos de verdade na filosofia econômica divulgada inicialmente na Europa, no início do séc. XX, por intelectuais do calibre de G.K. Chesterton e Hilaire Belloc.
Falo do Distributismo, um conjunto coerente de ideias que se propõe a derrubar os grandes Golias que têm assombrado a vivência material humana: o capitalismo e o socialismo. Nele, busca-se o equilíbrio entre propriedade e trabalho, sem outorgar a alguma elite – seja política, seja financeira – o direito de enriquecer e concentrar poder às custas dos esforços de milhões de pessoas absolutamente jogadas para escanteio nas decisões produtivas.
Digo que este é o momento e esta é a hora por um motivo tanto claro quanto trágico: o doloroso efeito colateral que as medidas de prevenção contra o coronavírus acabaram gerando – e que ainda vão gerar.
Os enormes prejuízos para as pequenas empresas, muitas das quais talvez cheguem a fechar, terão como provável resultado um favorecimento ainda maior que o atual de alocação de recursos produtivos nas mãos daqueles que disponham de maior resistência financeira a crises, o que é sinônimo de mais concentração de produção e renda.
Como arma contra esse cenário de perdição, podemos contar com a aplicação de um dos princípios distributistas: a subsidiariedade. A ideia é simples: toda iniciativa que possa ser tomada em pequena escala deve sê-lo pela própria comunidade por ela atingida, sem esperar a vida inteira por ações estatais, que talvez nunca cheguem.
Em termos de convivência urbana, por exemplo, é o grupo de moradores de determinado bairro que combina uma ação coletiva de capinar, limpar e fazer leves reformas nas ruas próximas durante os tempos vagos, podendo transformar o espaço urbano de maneira espantosa (em Várzea Grande (MT), isso já acontece há alguns finais de semana).
Em termos de economia, é a criação de pequenos grupos cooperativos, que dividem lucros e prejuízos e investem seu trabalho e recursos de maneira organizada, o que os ajuda a depender menos de empregadores pouco generosos e os fortalece perante o mercado.
Nesta época de dificuldades, ganharão muito aqueles que se unirem a outros profissionais do mesmo ramo, empreendendo cooperativas de costureiras, cozinheiras, pedreiros, mecânicos etc. Aliás, profissões de várias naturezas se prestam a tal modelo organizacional, como médicos, dentistas, fisioterapeutas e outros, até mesmo na área financeira.
Cuiabá completou por agora 301 anos, e já chegou o momento de percebermos que todos os cidadãos podem e devem gerar riqueza. A melhor maneira de alcançar esse objetivo, em tempos de crise, é inovar: abramos nossa inteligência e vontade para investir, com toda perseverança e fortaleza, nas ações coletivas, tanto para o cuidado com as cidades, quanto para a sobrevivência de nossas famílias.
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REFERÊNCIAS
CHESTERTON, G.K. Um esboço da sanidade. Campinas: CEDET, 2016.
CORÇÃO, G. Três alqueires e uma vaca. Rio de Janeiro: Agir, 1961.
Distributismo. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Distributismo.