Jovelina Joana de Souza ou apenas Jô, conhecida pelo carisma e alegria com que recebe os clientes no badalado restaurante Getúlio, é uma das figuras mais queridas da nossa Capital. Ela abriu as portas da sua casa ao LIVRE para contar a história de uma Jô que poucos conhecem, provando que as adversidades pelo caminho só a fizeram mais forte!

Ajudar a família na lavoura, ter vindo do interior para Cuiabá aos 13 anos, trabalhar como babá e doméstica, ser mãe solteira, criar os 4 rebentos sozinha, se conformar com a morte da filha mais velha. A história de Jô poderia ser mais uma, que se choca com a de milhares de brasileiras, não fosse pela fibra como encarou as dificuldades.

INFÂNCIA

Nascida em Guiratinga, na comunidade de Tesouro, interior de Mato Grosso, Jô e seus 10 irmãos ajudavam os pais com o trabalho braçal plantando feijão, milho, mandioca para fazer farinha e rapadura para abastecer as cidades vizinhas. Mas a jovem menina sentia que precisava bater asas. Tanto que aos doze anos tentou fugir de casa.

Aproveitou que todos estavam distraídos em casa, arrumou a pequena mala com alguns pares de roupas e partiu. Caminhou alguns quilômetros até a rodovia, e ao cair da tarde e da ficha, voltou mais que depressa para casa. Por sorte, nada aconteceu. Mas o descontentamento da vida limitada que levava a faziam sonhar em ganhar o mundo.

“Eu era uma menina que tinha medo de andar a cavalo e corria das vacas. Aquela vida de cuidar dos animais, da lavoura e pegar na enxada me deixava triste”, relatou. Mal sabia ela que o universo já conspirava a seu favor. Aos treze surgiu a oportunidade de sair da comunidade de Tesouro e ir trabalhar na pensão de sua Tia Ana, em Guiratinga. O bater de asas não pararia por aí.

Aos 61 anos e com seis netos para mimar, Jô afirma ser feliz e realizada

A vinda para Cuiabá

Em 1974, veio para Cuiabá para trabalhar como babá encantada com a possibilidade de estudar e de ganhar seu próprio dinheiro. Tempos depois, foi trabalhar como doméstica na casa de dona Dalva que seria a primeira a assinar sua carteira.

Entre a rotina de trabalho e escola, Jô começou a namorar e logo ficou noiva. Não demorou muito para que aos 22 anos viesse a primeira gravidez. O bom moço que chegou a ir a Guiratinga conhecer a família de Jô, a abandonou ainda grávida, alegando que já era casado em Campo Grande (MS).

Não bastasse a aflição em se tornar mãe solteira, seu emprego também foi comprometido. Dona Dalva a dispensou dizendo que não poderia abrigar Jô e mais um bebê. Por sorte, Cristina, cunhada de dona Dalva, lhe deu teto, mas os problemas estavam só começando.

Abandonou os estudos por vergonha da barriga e medo que a notícia chegasse até seus pais em Guiratinga. Assim nasceu Luciana. “Consegui esconder o máximo que pude, e quando minha filha já estava com 6 meses de nascida, meus pais apareceram no meu emprego. Eu mais que depressa disse que aquela criança tinha sido dada a mim por uma jovem que não tinha condições de criá-la. Mesmo desconfiados eles foram embora acreditando na história”.

Um ano depois, o pai de Luciana ressurgiu, com a promessa de que queria reassumir Jô e a filha. Por ingenuidade ou solidão, Jô aceitou suas desculpas. Ficou grávida da segunda filha e novamente foi abandonada.

Sabrina veio ao mundo e a notícia chegou em Guiratinga. Os pais de Jô, mesmo decepcionados, aceitaram a condição da filha. Menos o irmão mais velho, que sugeriu aos pais que deserdassem a irmã que havia desonrado o nome da família Souza.

Com duas filhas e sentindo o drama da dificuldade financeira, alugou sua primeira casa e iniciou a tripla jornada, trabalhando como doméstica, cozinheira em restaurantes e cuidando das filhas ao fim do dia.

A essa altura suas irmãs já haviam se mudado para Cuiabá e a ajudavam a cuidar das meninas. Com muito trabalho, conseguiu comprar a casa própria no bairro Tijucal onde mora até hoje. Logo veio o terceiro filho Rafael, fruto de um relacionamento passageiro e a sina de mãe solteira continuou a lhe perseguir.

Um dos vários restaurantes onde trabalhou como garçonete, foi a extinta Casa Suíça onde ficou por 17 anos. Lá conheceu o garçom Roberto, e durante 15 anos viveram uma história de amor. Dessa relação nasceu a última filha: Bárbara.

Jô está há 16 anos trabalhando no Getúlio Grill e sempre recebe o carinho de quem frequenta o local

Morte da filha Luciana

O ano de 2001 foi o mais difícil para essa forte mulher. O desligamento da Casa Suíça, fim do relacionamento com Roberto, morte da mãe e a perda da filha Luciana (a mais velha), por complicações de diabetes. A alegre Jô não consegue disfarçar a tristeza quando lembra a dor de perder uma filha.

Aos prantos, contou pausadamente como foi atravessar essa fase difícil. “Cheguei a procurar a ajuda de uma psicóloga. Me lembro que na primeira consulta, eu saí correndo da sala pelos corredores da clínica abrindo portas e gavetas perguntando pela minha filha e gritava: Luciana! Luciana! Não escondam minha filha de mim!“, relata soluçando ao reviver a cena.

Luciana morreu aos 24 anos. E deixou o filho Igor que hoje chama vovó Jô de mamãe.

Getúlio Grill

Com a saída da Casa Suíça, Jô recebeu o convite da Chef de cozinha Eliane Carvalho para trabalhar no Chez Babette. Durante as noites de trabalho, o cliente Afonso, um dos sócios do restaurante Getúlio Grill, fazia propostas em tom de brincadeira para que Jô aceitasse o convite de trabalhar em seu estabelecimento.

“Não achava que daria certo. Público jovem, badalação. Muito diferente do que eu estava acostumada. Até que um dia passando na frente do Getúlio, resolvi falar com o Afonso. E combinamos para eu fazer um teste durante minha folga no Chez Babette. Lá, fui garçonete por 7 anos até que me promoveram a metre. Me adaptei tanto ao ambiente e as pessoas que estou lá há 16 anos,“  relembra com carinho.

Mesmo aposentada a quatro anos, resolveu continuar trabalhando. “A ideia era ficar até a passagem da Copa do Mundo por Cuiabá. Mas, infelizmente, o Mariano que era nosso gerente faleceu e pediram para eu ficar mais um pouco. As pessoas dizem que trabalho muito e eu acho graça. Trabalho puxado era o da roça! Hoje em dia existe maquinário, mas naquela época era no braço. Meu trabalho no Getúlio Grill é prazeroso. Faço com amor,” conta.

Hoje essa incrível mulher divide o teto com irmãs, uma filha e dois dos 6 netos. Aos 61 anos, se considera realizada e feliz. Sente orgulho de sua história que representa tantas outras “Jôs”, Marias e Franciscas, que assim como ela, tiveram a coragem de enfrentar as tempestades encontradas pelo caminho. Afinal, como diz a própria Jô: Mar calmo nunca fez boa marinheira!

Jô com as filhas, netas e uma das irmãs.

 

 

 

 

 

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes