Numa cena marcante do conturbado ano de 1968, ao tentar acalmar uma plateia revoltada porque a música ‘Pra não dizer que não falei das flores’ tinha perdido o primeiro lugar no III Festival Internacional da Canção para a música ‘Sabiá’, de Tom Jobim e Chico Buarque, o compositor Geraldo Vandré, autor da primeira, pronunciou uma frase que calou o Maracanãzinho: “A vida não se resume em festivais”.

A memória me veio ao contemplar o panorama de extremada polarização nesse segundo turno das eleições presidenciais. Talvez fosse o caso de dizer: “A democracia não se resume em eleições”.

Ao dizê-lo, não quero subestimar a importância da escolha que os brasileiros farão amanhã. Ao contrário, penso que, mais até do que em outras oportunidades, essa decisão influenciará profundamente o nosso futuro.

No século XXI, não há possibilidade de uma nação desenvolver-se desarticulada das relações políticas e econômicas internacionais e dos valores e temas que ali são cultuados. Por exemplo, retroceder na legislação e na gestão ambientais, significa fechar importantes mercados para as commodities do nosso agronegócio que, como todos sabem, foi quem nos últimos anos sustentou o equilíbrio de nossa balança comercial e evitou que a crise econômica fosse ainda pior. Ao contrário do que alguns apregoam, quem acompanhou a reação dos mercados internacionais ao noticiário da Operação Carne Fraca, compreende que retroceder na legislação e na gestão ambientais significará simplesmente perder riqueza e empregos em grande escala.

E, assim por diante, poderia destacar que o discurso anticomunista é algo que o mundo evoluído arquivou desde a queda do Muro de Berlim em 1989 e a dissolução da União Soviética em seguida. A pauta internacional hoje é outra e valoriza muito temas como os direitos humanos, tanto que até a própria FIFA aplica punições severas a clubes ou seleções nacionais de futebol que sejam condescendentes com manifestações xenófobas, racistas ou homofóbicas por parte dos seus torcedores.

Contudo, sem minimizar a gravidade das consequências que um ou outro resultado poderá acarretar, quero destacar que, seja qual for a opção majoritária dos brasileiros no segundo turno, os que forem vitoriosos devem ter a sobriedade de reconhecer qualidades, senão nos seus adversários, pelo menos nos milhões de brasileiros que neles confiaram, e também a humildade de admitir que no primeiro turno a maioria do eleitorado manifestou outra preferência. De igual modo, os que forem vencidos devem ter a grandeza de aceitar o resultado das urnas e de honrar os votos recebidos exaltando a oportunidade que a democracia lhes concedeu de participar do pleito.

A democracia não se resume em eleições.

Significa que, embora as eleições sejam imprescindíveis, não são suficientes. É necessário que, após as eleições, saibamos conviver de forma civilizada com as nossas diferenças. É preciso, sempre, respeitar os Poderes e as instituições republicanas. É imperativo, sempre, cumprir a Constituição e defender as liberdades. É imprescindível, sempre, repudiar discursos autoritários e ações violentas, seja qual for a sua origem e que maioria e minorias desempenhem seus respectivos papéis, mas nos limites constitucionais.

A democracia não se resume em eleições.

Significa que existem múltiplas esferas de atuação na vida pública, desvinculadas do mundo partidário e eleitoral. São associações e organizações que trabalham diuturnamente por causas comunitárias, profissionais, confessionais, culturais, ambientais e tantas outras. Na sua grande maioria, apoiam-se no voluntariado e alcançam resultados expressivos, embora nem sempre conhecidos ou valorizados. Todas elas irrigam e revitalizam o estado democrático de direito.

A democracia não se resume em eleições.

Mas as eleições são um momento importante de nosso aprendizado e amadurecimento político como povo, e devem resultar no fortalecimento de nossa democracia e no desenvolvimento de um futuro melhor para todos os brasileiros. Que assim seja.

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Luiz Henrique Lima é conselheiro-substituto do TCE-MT.

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