Amigos, abaixo está o primeiro artigo que publiquei na imprensa após um jejum de mais de 10 anos. Saiu em 15 de fevereiro de 2019 no Correio Braziliense. Muitos dos dados apresentados estão levemente alterados pois, em 01 de junho, ocorreu a atualização anual da base de dados da Scimago Country Rank – que apaga as informações anteriores. Por exemplo, em meu texto, afirmei que as publicações científicas de 2015 da Estônia tiveram 28,6 mil citações.

Após 1 ano, os mesmos artigos de 2015 foram mais lidos e mais empregados para referenciar trabalhos acadêmicos. Hoje estão com 44,2 mil citações. Assim, o valor das citações por publicação (CPP) da Estônia passou de 9,44 para 14,44. Obviamente, todos os países são afetados do mesmo modo. O que importa é que as proporções entre CPPs dos países não mudam substancialmente. A Estônia tem agora CPP2015 = 14,44 (2º lugar do mundo em CPP entre países com ao menos 3000 publicações; na época da pesquisa, estava em 1º lugar), e Brasil tem CPP2015 = 6,37 (53º lugar entre 63 países). A diferença de impacto entre os dois países é 2,3 – antes era 2,4. O mesmo é válido para comparações do Brasil com outros países como, por exemplo, o Chile.

Faço esse preâmbulo para explicar que, apesar dos dados do meu artigo do Correio estarem alterados, a diferença não é substancial: não altera meu argumento. Apesar disso, coloco alguns números atuais, de 2018 – sei da curiosidade do leitor. A tabela abaixo apresenta comparações do Brasil com a Estônia e o Chile de 2015 a 2018, com dados da Scimago (ranking CPP de países com ao menos 3000 publicações por ano). Observem que a relação do CPP da Estônia com o CPP do Brasil está entre 2,1 e 2,4, o que indica que essa república báltica tem mais que o dobro de nosso impacto científico.

No mais recente ranking CPP (2018), o Brasil aparece em 63º lugar entre 73 países com ao menos 3000 publicações, abaixo do Equador, de Bangladesh e da Etiópia, apesar da pujança em quantidade de artigos (81,7 mil trabalhos científicos brasileiros indexados pela Scimago). No ranking de 2018, a Estônia está em 1º lugar, à frente da Suíça. Em 6º lugar, outro “velho conhecido” de nossos leitores: o Qatar.

https://www.scimagojr.com/countryrank.php?year=2018&min=3000&min_type=it&order=cd&ord=desc

O principal motivo de reapresentar esse texto é mostrar algumas das causas do Brasil estar mal colocado nos rankings de impacto de ciência. Um deles são as políticas públicas de pós-graduação, que estimulam a quantidade de produção de artigos nas universidades públicas, onde são realizadas cerca de 90% das pesquisas acadêmicas brasileiras.

Esse é o grande problema das áreas técnicas da Academia – as chamadas “ciências duras,” que compreendem diversas áreas, da Biomedicina à Física, da Geologia à Engenharia. As agências de fomento à pesquisa, como CNPq e FAPESP, assim como a CAPES (que regula a pós-graduação no Brasil), estimulam a produção científica e tecnológica com base em quantidade de publicações, e não em inovação e descobertas. Sem inovação – e sem risco – nunca iremos nos desenvolver economicamente ao ponto nos transformar numa sociedade tecnológica.

Nas áreas das Humanas, há outro motivo para o baixo impacto de nossa produção: o excesso de publicações em português (livros ou artigos), bem menos citados que os em inglês. De qualquer forma, as Humanas (assim como as “ciências duras”) atendem às regras da CAPES. Por exemplo, um estudo recente mostrou que apenas 1 em cada 5 artigos da área de educação de pesquisadores do Brasil é citado pelo menos uma vez (Link 1). Grande parte desses artigos foram publicados em revistas de educação muito bem consideradas pelas CAPES. É fundamental que isso seja mudado.

O que me deixa esperançoso é a possibilidade de o novo governo alterar as políticas de avaliação de publicações, em especial na CAPES. O Brasil precisa, urgentemente, sair da lanterna da ciência mundial. E que não venham com o argumento de que basta o governo dar mais dinheiro para os cientistas que tudo se resolverá. Já demonstrei essa falácia em artigos que escrevi para O Livre ou para a Gazeta do Povo (Links 2, 3 e 4). Para quem não conhece os dados: a Estônia investe o mesmo percentual do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D) que o Brasil (aproximadamente 1,3%, conforme dados de 2016, da Unesco), com o dobro de CPP do nosso. O Chile, por sua vez, investe apenas 0,35% do PIB em P&D, e tem CPP substancialmente mais elevado que o Brasil (ver Tabela). O Qatar investe apenas 0,5% do PIB em P&D (Link 5) e está em 6º lugar no ranking CPP de 2018.

O artigo do Correio não aborda a questão financeira, mas esse prólogo deixa claro que a solução dos problemas científicos não passa ela. Atenção: há mais de uma dezena de países que gastam menos que o Brasil e apresentam impacto científico, isto é, têm algum impacto para o avanço da ciência). Uma solução para o nosso modelo de pesquisa científica está na gestão da pós-graduação, via CAPES. E a explicação está no texto abaixo, publicado no Correio Braziliense em 15 de fevereiro de 2019.

Antes de passarem para o artigo do Correio, quero agradecer ao Dr. Ricardo da Costa, Professor de História da UFES, e ao economista Nilton Rodrigues Soares, servidor do Senado, pela revisão do texto introdutório.

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A ciência mais ou menos do Brasil

Quando olhamos o que é publicado na imprensa sobre a ciência brasileira, geralmente ficamos felizes em constatar que boas descobertas aparecem, e que o Brasil tem produzido mais e mais artigos científicos a cada ano. Em 1997, estávamos em 21º lugar no ranking mundial de artigos científicos, com 10,8 mil trabalhos publicados. Em 2010, auge da era-PT, chegamos à 13º posição, com 50,3 mil artigos. Em 2017, tivemos 73,6 mil artigos.

A produção de artigos do Brasil, em comparação com os EUA, só avançou. Em 1997, tínhamos 3,1% da produção americana; em 2017, aumentou para 11,7%. Se olharmos para áreas específicas do saber, o Brasil estava em 3º lugar em Agricultura e Biologia, em quantidade de artigos, em 2017. Em outras áreas, como Bioquímica e Genética, Matemática, Física, Medicina, Engenharia e Química, ocupamos posições entre 14º e 17º. Boas posições no ranking de quantidade.

Entretanto, caso olhemos por outro ângulo, veremos que os motivos de júbilo podem ser bem menores. Falo do impacto e da visibilidade da ciência. A melhor forma para se avaliar o impacto de milhares de trabalhos científicos de um país é analisar suas citações – se um artigo é bom ele é citado por outros estudos, e isso gera impacto e visibilidade da pesquisa. Não há como ler e “dar uma nota” para, por exemplo, 3037 artigos produzidos em 2015 pela Estônia. De acordo com a Scimago, os artigos da Estônia receberam 28,6 mil citações, resultando em 9,44 citações por artigo (CPP, “citations per publication”). Em 2015, o Brasil produziu 68,6 mil artigos, que receberam 272,4 mil citações, ou seja, CPP = 3,97. Um impacto 2,4 vezes menor que o da pequena Estônia.

Entre os países que produzem pelo menos 3 mil artigos por ano, a Estônia estava em 63º em 2015. Apesar disso, foi 1º lugar no ranking de CPP (que indica o impacto). Naquele ano, o Brasil era o 13º em quantidade, mas o 53º em CPP (entre 63 países!). A Estônia – antiga república da URSS – é celebrada como um modelo de avanço econômico: sua pequena produção (3037 artigos em 2015) teve até mais impacto que a Suíça – 2º lugar em CPP. E nos outros anos? Em 2016 e 2017 ficamos em 53º entre 66 e 68 países, respectivamente, com a Suíça em 1º nesses dois anos.

E o que acontece no ranking de impacto (ou seja, CPP) nas diferentes áreas da ciência? Analisamos os dados de 2015 de países que produziram pelo menos 1000 artigos em cada área. Agricultura e Biologia: Brasil em 43º lugar entre 44 países – penúltimo lugar! Medicina: 45º entre 56 países. Matemática: 30º entre 37 países. Física: 39º entre 46 países. Química: 37º entre 42 países. Engenharia: 42º entre 56 países. Bioquímica e Genética: 33º lugar de 45 países. Ciências Sociais: 39º lugar de 40 países (penúltimo lugar!). Ficamos sempre na rabeira dos rankings de impacto.

O que move a produção científica nacional em termos de força de trabalho? A pós-graduação. Em 1997, formamos 3.500 doutores. Esse número tem aumentando a cada ano, chegando a 21,3 mil recém-doutores em 2017. Atualmente há mais de 2000 programas de doutorado – em 1997 eram apenas 658.

É a Capes – órgão do MEC – o motor da expansão da pós-graduação. O crescimento da produção de artigos entre 1997 e 2017 – de 580% – foi praticamente o mesmo do aumento da formação de doutores no mesmo período: 510%. Sem essa quantidade de recém-doutores, não haveria tal expansão da produção científica – afinal, são os doutorandos a principal mão-de-obra da ciência. Sem eles, praticamente não há como fazer os experimentos e as observações de campo, imprescindíveis para a ciência.

Como verificamos, nossa ciência tem baixíssimo impacto mundial. Se produz ciência em vasta quantidade sob a regulação da Capes. Esta, na era-PT, praticamente obrigou pesquisadores a publicarem da forma como fazem: apressadamente e com pouca preocupação com impacto. Claro que há muitos excelentes pesquisadores, muito citados. Mas esse microcosmo de craques é ínfimo no universo da ciência nacional.

É necessário mudar as regras que regulam a mão-de-obra científica (os doutorandos). Precisamos focar em descobertas, não em quantidade de artigos. É necessário coragem para conceber projetos científicos que possam não dar certo. Descobertas não acontecem sem risco, paciência e persistência. Os pesquisadores apostam em projetos onde há certeza de resultados (e artigos), não descobertas. São apostas na conformidade, no “mais ou menos”. Mas a culpa não é inteiramente deles, forçados que são pela Capes a produzir em massa. Urge reformá-la. Alô Bolsonaro!

 

Link 1:

https://olivre.com.br/no-brasil-80-das-pesquisas-em-educacao-sao-desconsideradas-pela-comunidade-academica/

Link 2:

https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/falta-de-dinheiro-nao-e-causa-para-o-baixo-impacto-da-ciencia-brasileira-dooda0h7gcggupxheu5j12qnh/

Link 3:

https://olivre.com.br/sucesso-da-estonia-na-ciencia-serve-de-exemplo-para-o-brasil/

Link 4:

https://olivre.com.br/o-custo-e-a-efetividade-da-ciencia-brasileira-2/

Link 5:

https://olivre.com.br/o-que-o-brasil-podem-aprender-com-o-qatar-e-a-arabia-saudita/

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